A Hora do Banho – Como ensinar sobre regras às crianças?

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por Valessa Dias de Oliveira

Tudo começou na hora do banho. Estávamos em casa à noite, eu cansada após um longo dia de trabalho, ela chegando da escola e só querendo se jogar no sofá pra assistir desenho até adormecer.

– Não quero tomar banho e nem fazer lição! Quero ver desenho!

-Agora não. É hora do banho. Depois você pode ver desenho.

– Quero ver desenho agora! Você é uma chata, nunca me deixa fazer o que eu quero!

-Filha, você voltou da escola agora, está toda suada. Lembra que combinamos que você sempre poderia ver desenho depois de tomar banho e fazer a tarefa de casa?

– Não! Não e não! Quero desenho agora!

Desse ponto segue-se uma queda de braço que termina em criança chorando (ou melhor, berrando) debaixo do chuveiro e uma mãe frustrada por ter arrumado uma briga no único momento do dia em que poderia compartilhar um momento agradável e divertido com a filha.

Cenas como essa são relatadas com frequência no consultório. “Será que agi certo? Ela precisa aprender que existem regras e que elas devem ser seguidas”. “Sinto culpa por obrigá-la/o a fazer as coisas na base da briga ou da ameaça”, “Como devo estabelecer regras?”, “Devo dar castigo?”, “Adianta ameaçar?”. Muitos pais se questionam sobre como fazer os filhos seguirem regras sem tornar tudo uma briga.

Em geral, regras são estabelecidas para garantir o bom funcionamento de um local e/ou permitir um relacionamento respeitoso em relação aos valores e hábitos daqueles que ali convivem. Portanto, é bastante relevante que as crianças aprendam sobre isso.  Aprender a seguir regras envolve discriminar que em um determinado contexto, para um comportamento específico haverá uma consequência específica. Então, se levantar e começar a conversar na sala de aula enquanto a professora faz uma explicação acarretará em repreensão; diante da solicitação da mãe, guardar os brinquedos espalhados terá como consequência um quarto organizado e possível elogio dos pais.

Cada família tem seus próprios critérios para determinar suas regras, porém é importante que os pais saibam que não devem excessivas nem rígidas e difíceis de serem cumpridas, pois isso aumentaria a possibilidade de não serem seguidas. Devem considerar a idade da criança e as habilidades que ela possui para compreender e executar aquele tipo de tarefa. Além disso, é necessário que fiquem claras as consequências, por exemplo, após a lição pode assistir TV, se não fizer a lição ficará sem ver TV. Na verdade, é necessário que os pais se certifiquem que ficou claro para a criança o que se espera dela e quais serão as consequências.

Aqui vale destacar a questão da punição. O não seguimento da regra acarretará uma consequência que, muitas vezes significa um castigo. Não pretendo entrar, neste momento, na discussão sobre o uso ou não da punição. Fato é que os pais a utilizam, então meu objetivo é pensar em alternativas eficazes para prevenir o seu uso.

E se, ao invés de um castigo, for oferecida à criança uma escolha? Se substituirmos o “se não fizer a lição não tem vídeo game” por “se você faz a lição no horário combinado, pode jogar vídeo game depois. Se não faz a lição no horário, não haverá tempo para vídeo game, pois ainda haverá a lição pra fazer. O que prefere?”

A ideia é propor combinados, ou seja, são propostas situações e descritas as consequências para cada uma e a criança opta. Uma regra pode assim ser implementada, porém, fazer combinados significa oferecer possibilidade de escolha, propor caminhos e descrever consequências.

Um exemplo: você pode arrumar a sua cama antes do banho e depois podemos brincar juntos um pouco ou toma banho e depois arruma a cama, mas aí não poderemos brincar. O que acha melhor? Caso a escolha seja por arrumar a cama depois, é importante garantir que isso seja cumprido ainda que seja necessário acompanhá-la na realização da tarefa. Consistência vale ouro em situações como essa, portanto faça acontecer o que foi combinado.

Cabe aos pais avaliar o que é negociável ou não. Por exemplo, escovar os dentes após as refeições não deve ser uma escolha, mas também não precisa ser uma imposição agressiva. Ler uma historinha após a escovação dos dentes para dormir pode ser algo que favoreça a motivação para a tarefa.

Lembrando que, com crianças é sempre mais interessante utilizar sentenças curtas e diretas, além de frases afirmativas explicitando o que se espera dela. Então ao invés de dar um sermão e dizer para não chorar, não fazer malcriação ou não sair correndo no shopping, simplesmente diga o que ela deve fazer. “No shopping quero que você ande ao meu lado de mãos dadas comigo, ok?”

Por fim, claro, mostrar reconhecimento e valorizar o fato dela ter cumprido o combinado e nunca, em hipótese alguma, dizer que ela não fez mais do que a obrigação. Frases como essa são contraproducentes e desmotivam qualquer um.

Como se vê não é tarefa fácil ensinar crianças, com maestria elas nos colocam situações desafiadoras diariamente, gerando dúvidas e culpa muitas vezes. Porém, tudo pode ser mais leve se nos colocarmos ao lado delas. Como diria Janusz Korczak, isso não significa descer ao seu nível de compreensão, mas sim elevar-nos ao nível de seus sentimentos e estender-lhes as mãos.

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